quinta-feira, 6 de junho de 2013

REFLEXÃO DA HISTÓRIA DE CRISTINA SOARES:

          Minha filha Luísa, que tem paralisia cerebral, devia ter uns seis ou sete anos quando a matriculei no ensino regular. Antes passou por algumas escolas especiais, desde a chamada “estimulação precoce”. Tenho péssimas lembranças dessas escolas. A sensação que eu sempre tive foi: “a gente finge que é uma escola e vocês fingem que têm um filho na escola“.
          Crianças “amarradinhas” em suas cadeiras, com milhões de cintos de segurança, superprotegidas, onde é impossível se levar um tombo. E impossível também se desenvolver. Até uma criança sem deficiência não se desenvolveria naquelas condições.
           Silêncio deprimente. Nenhum som de gargalhada infantil. Nenhuma criança fazendo zona.
Um dia, a professorinha me disse: “Ah, eu adoro essas crianças especiais“. Foi como se eu tivesse ouvido “Ah, eu adoro cachorrinhos“. Penso que professora não tem que gostar de criança com deficiência. Professora tem que gostar de (e ter o maior saco com) criança. Tendo ela deficiência ou não.
          Dia seguinte cheguei mais cedo e vi um quadro na parede onde apareciam, num ranking, estrelinhas para cada nome de aluno da classe. Perguntei a professorinha o que era aquilo e ela me respondeu que as crianças ganhavam estrelinhas de acordo com o comportamento.
Por exemplo: se fizessem xixi ou cocô na sala, não ganhavam estrelinhas naquele dia, caindo para os últimos lugares da lista. Aquilo não me cheirou nada bem.
           Não é por meio de competição que uma criança aprende a controlar o esfíncter. Sorte da Luísa que ainda usava fraldas full-time naquela época.
       Aos poucos eu fui ouvindo um mosquitinho que zumbia duas palavras no meu ouvido: “escola comum”.
          E ainda sem saber o tamanho do barulho nem nada sobre leis ou movimento inclusivo, queimei a mufa para decidir. Passei as férias inteiras só pensando nisso. Até que resolvi matricular a Luísa numa escola sócio-construtivista que minha filha mais nova freqüentava.
           Conversa com diretoras, professoras, auxiliar e tal. Luísa matriculada. Na primeira semana me liga a diretora, com voz meiga e gentil:
Sabe o que é… dá pra você mandar um paninho… pra gente colocar na grama. Porque quando as crianças vão para fora da sala e a Luísa vai junto…a grama pinica, fica molhada de sereno.
Eu respondi no mesmo tom meigo e gentil:
Olha… sabe o que é… deixa a Luísa sentir que a grama pinica, que o orvalho molha…
         A diretora ficou muda do outro lado, sem saber como reagir. Este foi o episódio que iniciou minha militância inclusiva.
           A experiência com essa escola foi gratificante, no geral. Logo nos primeiros dias de aula, Luísa voltava para casa com uma expressão diferente. Mais viva! Mais ligada e exuberante. “Cheia de si“, eu dizia na época. Outra criança.
          No fim do ano, infelizmente, tive que mudá-la de escola porque a diretora havia me dito que no próximo ano Luísa não poderia mais ir sem fralda. Estávamos na fase da retirada. Então, volta e meia, escapava um xixi e ela tinha que ser trocada (sofás e carpetes de casa foram para o lixo). Na classe, havia uma auxiliar, que era uma graça e adorava a Luísa. Mas acho que não havia auxiliar na série seguinte (primeira série).
            Para não pôr fim a iniciativa de tirar a fralda (parecia que só eu acreditava que isso seria possível), tive que tirá-la da escola (hoje agiria de outra forma).
Sempre lutando contra a superproteção, agora das escolas regulares, conseguimos praticar a inclusão até bem pouco tempo, quando Luísa, ao completar 13 anos, foi morar durante um período de sua vida com o pai (o que também é um trabalho inclusivo).
Ele, numa opção, a meu ver, retrógrada, matriculou-a em uma escola especial. Só me resta lamentar e torcer para que, vivenciando a situação, ele mude de mentalidade. Tenho feito intensa campanha para que isso aconteça.
         Mas para explicar o título, conto uma passagem da Luísa em uma escola municipal aqui de São Paulo, a Olavo Pezzotti, na Vila Madalena.
O trabalho de inclusão que a professora Rosa vinha fazendo era tão bom que a Luísa se diluía nos meio da muvuca de tal forma que ficou difícil curá-la dos piolhos coletivos.
          Ela era tão abraçada e beijada que os piolhos se reciclavam em sua cabecinha. Eu os exterminava, eles voltavam.
                Sentia ódio daqueles piolhos que nunca iam embora definitivamente. Mas ficava feliz por saber que piolhos só aparecem onde há muitas crianças, de todos os tipos, juntas! Para eles, assim como a meninada da escola teve oportunidade de aprender, criança é tudo criança. Elas se embolam, brigam e brincam. Com ou sem deficiência
Cristiana Soares
cristiana.sr@gmail.com
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