Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Paulo Freire
segunda-feira, 17 de junho de 2013
quinta-feira, 6 de junho de 2013
REFLEXÃO DA HISTÓRIA DE CRISTINA SOARES:
Minha filha Luísa, que tem paralisia cerebral,
devia ter uns seis ou sete anos quando a matriculei no ensino regular. Antes
passou por algumas escolas especiais, desde a chamada “estimulação precoce”.
Tenho péssimas lembranças dessas escolas. A sensação que eu sempre tive foi: “a
gente finge que é uma escola e vocês fingem que têm um filho na escola“.
Crianças “amarradinhas” em suas cadeiras, com
milhões de cintos de segurança, superprotegidas, onde é impossível se levar um
tombo. E impossível também se desenvolver. Até uma criança sem deficiência não
se desenvolveria naquelas condições.
Silêncio deprimente. Nenhum som de gargalhada
infantil. Nenhuma criança fazendo zona.
Um dia, a professorinha me disse: “Ah, eu
adoro essas crianças especiais“. Foi como se eu tivesse ouvido “Ah, eu
adoro cachorrinhos“. Penso que professora não tem que gostar de criança
com deficiência. Professora tem que gostar de (e ter o maior saco com) criança.
Tendo ela deficiência ou não.
Dia seguinte cheguei mais cedo e vi um quadro na
parede onde apareciam, num ranking, estrelinhas para cada nome de
aluno da classe. Perguntei a professorinha o que era aquilo e ela me respondeu
que as crianças ganhavam estrelinhas de acordo com o comportamento.
Por exemplo: se fizessem xixi ou cocô na sala,
não ganhavam estrelinhas naquele dia, caindo para os últimos lugares da lista.
Aquilo não me cheirou nada bem.
Não é por meio de competição que uma criança
aprende a controlar o esfíncter. Sorte da Luísa que ainda usava fraldas full-time naquela
época.
Aos poucos eu fui ouvindo um mosquitinho que
zumbia duas palavras no meu ouvido: “escola comum”.
E ainda sem saber o tamanho do barulho nem nada
sobre leis ou movimento inclusivo, queimei a mufa para decidir. Passei as
férias inteiras só pensando nisso. Até que resolvi matricular a Luísa numa
escola sócio-construtivista que minha filha mais nova freqüentava.
Conversa com diretoras, professoras, auxiliar e
tal. Luísa matriculada. Na primeira semana me liga a diretora, com voz meiga e
gentil:
- Sabe o que é… dá pra você mandar um
paninho… pra gente colocar na grama. Porque quando as crianças vão para fora da
sala e a Luísa vai junto…a grama pinica, fica molhada de sereno.
Eu respondi no mesmo tom meigo e gentil:
- Olha… sabe o que é… deixa a Luísa
sentir que a grama pinica, que o orvalho molha…
A diretora ficou muda do outro lado, sem saber
como reagir. Este foi o episódio que iniciou minha militância inclusiva.
A experiência com essa escola foi gratificante,
no geral. Logo nos primeiros dias de aula, Luísa voltava para casa com uma
expressão diferente. Mais viva! Mais ligada e exuberante. “Cheia de si“,
eu dizia na época. Outra criança.
No fim do ano, infelizmente, tive que mudá-la de
escola porque a diretora havia me dito que no próximo ano Luísa não poderia
mais ir sem fralda. Estávamos na fase da retirada. Então, volta e meia,
escapava um xixi e ela tinha que ser trocada (sofás e carpetes de casa foram
para o lixo). Na classe, havia uma auxiliar, que era uma graça e adorava a
Luísa. Mas acho que não havia auxiliar na série seguinte (primeira série).
Para não pôr fim a iniciativa de tirar a fralda
(parecia que só eu acreditava que isso seria possível), tive que tirá-la da
escola (hoje agiria de outra forma).
Sempre lutando contra a superproteção, agora das
escolas regulares, conseguimos praticar a inclusão até bem pouco tempo, quando
Luísa, ao completar 13 anos, foi morar durante um período de sua vida com o pai
(o que também é um trabalho inclusivo).
Ele, numa opção, a meu ver, retrógrada,
matriculou-a em uma escola especial. Só me resta lamentar e torcer para que,
vivenciando a situação, ele mude de mentalidade. Tenho feito intensa campanha
para que isso aconteça.
Mas para explicar o título, conto uma passagem da
Luísa em uma escola municipal aqui de São Paulo, a Olavo Pezzotti, na Vila
Madalena.
O trabalho de inclusão que a professora Rosa
vinha fazendo era tão bom que a Luísa se diluía nos meio da muvuca de tal forma
que ficou difícil curá-la dos piolhos coletivos.
Ela era tão abraçada e beijada que os piolhos se
reciclavam em sua cabecinha. Eu os exterminava, eles voltavam.
Sentia
ódio daqueles piolhos que nunca iam embora definitivamente. Mas ficava feliz
por saber que piolhos só aparecem onde há muitas crianças, de todos os tipos,
juntas! Para eles, assim como a meninada da escola teve oportunidade de
aprender, criança é tudo criança. Elas se embolam, brigam e brincam. Com ou sem
deficiênciaCristiana Soares
cristiana.sr@gmail.com
http://cidadao-pc.blogspot.com
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